Os ritos de passagem tinham importância capital no desenvolvimento psíquico dos povos primitivos. Quando os jovens de ambos os sexos chegassem em determinada idade, os mais velhos da tribo, através de cerimônias de iniciação, faziam-nos entrar na vida adulta, na qual participariam efetivamente como indivíduos responsáveis, contribuindo para com o destino da tribo e, especialmente, dando sentido às próprias existências. As primeiras dessas cerimônias aconteciam dentro do seio familiar, logo após o nascimento, quando o recém-nascido era apresentado aos familiares diretos, visto como o elo de uma corrente, numa ênfase à linhagem ancestral.
Com o passar dos anos, outras cerimônias iam-se sucedendo, sendo que a mais importante às mulheres seria a primeira menstruação, enfatizando o período fértil, e para os homens a primeira caçada, com o consequente abate de um animal. Percebe-se que em ambos os ritos o derramamento de sangue era imperativo. Ao verter sangue para a preservação da comunidade, pela procriação ou pela alimentação, os jovens estariam simbolicamente misturando o seu próprio clã.
Logo as cerimônias coletivas seriam apresentadas aos jovens. Entre os índios norte-americanos, os jovens tinham seus peitos trespassados por espetos e puxados por cordas. O sangue pingava na terra como retribuição às dádivas que a tribo havia recebido. Outros ritos, portanto, tinham significados, como as cerimônias de casamento e as solenidades fúnebres.
Eu imaginava que, contemporaneamente falando, os ritos de passagem fossem outros, totalmente diferentes daqueles praticados pelos povos antigos. Salvo engano, os emblemas de hoje são, entre outros, o momento em que o menino ou a menina ganha o primeiro celular, o primeiro super computador. É de uma pobreza infinita, porém importante às crianças, as quais, antes disso, sentiam-se despossuídas, alijadas do mundo totalmente dominado pela cibernética.
Entretanto, dias atrás, mostraram-me algo que deixou meus poucos cabelos de pé, provando que, malgrado estejamos no Terceiro Milênio, coisas infinitamente piores que os ancestrais ritos de passagem ainda acontecem. O palco do barbarismo não é o chão batido de uma tribo qualquer, perdida no passado. Ocorre anualmente na Dinamarca, país do “Primeiro Mundo”. Trata-se de brutal e inconcebível rito de passagem, com abundante derramamento de sangue. Não sangue humano, mas sangue de golfinhos... Inofensivos golfinhos calderons!
Utilizando-se de ganchos pontiagudos, os jovens dinamarqueses agridem os animais até à morte, os quais, em agonia, saltam grunhidos, lembrando o choro de recém-nascidos. Brutalidade impensável para um país do terceiro mundo, encenada na velha Europa que supunhámos civilizada. Indiferentes ao sofrimento dos animais, os jovens atiram-se à tarefa prazerosamente, instigados pelos adultos, os quais aplaudem o espetáculo, orgulhosos de seus rebentos, prestes a entrarem na vida adulta.
Após a matança, tingidos de vermelho, os jovens são considerados responsáveis, entregues à sociedade que deveria ser exemplar. Não bastasse isso, são ainda saudados como heróis. Em resposta, mercê do mais insano frenesi, escancaram bocas, agitam os ganchos no ar, enlouquecidos pelo feito que julgam extraordinário. Ao redor, mortos, os golginhos são troféus. Emblemas de brutal rito que, em vez de dignificar a cultura dinamarquesa, a empobrece, transformando-a num tecido negrosado.
Por mais sofríveis que sejam, portanto, nossas intestinais cerimônias de passagens, podemos considerá-las infinitamente mais humanas, pois delas não resultam derramamento de sangue. Nem sempre o que vem de fora é melhor, mais saudável e culturalmente mais louvável.
Manoel Soares Magalhães
Realmente algo terrível. Em pleno século XIX isso é inconcebível! Ótimo texto!
ResponderExcluirQue estupidez !!!!!!!!!!!!!! e isso não acontece no Brasil, felizmente !!!!! tão lindos e carinhosos são os golfinhos !
ResponderExcluirIsto é de partir a alma !!!!
Precisamos continuar denunciando !!!